FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviços Patrimônio do trabalhador?

O FGTS foi criado por meio da Lei 5.107, de 1966, e começou a operar em janeiro de 1967. Foi criado como uma “opção” “oferecida ao trabalhador” em troca da estabilidade decenal a qual tinha direito.
Antes de sua instituição o trabalhador que atingisse dez anos de prestação de serviços ao mesmo empregador adquiria estabilidade contra dispensa sem justa causa, até sua aposentadoria.
Quando o trabalhador opta pelo FGTS perde, concomitantemente, o direito à estabilidade. Ele adquire o direito de receber, em caso de dispensa sem justa causa, o valor depositado mensalmente, acrescido de multa fundiária no montante de 40% sobre o saldo depositado em sua conta vinculada.
O FGTS é composto por depósito mensal, efetivado pelo patrão na conta vinculada do trabalhador no valor de 8% da remuneração, acrescido de juros, estimados em 3% ao ano, e atualização monetária, este sempre perto de zero. Em suma, trata-se de um patrimônio gigantesco que pertence aos trabalhadores.
O FGTS pode ser sacado nas seguintes condições: no caso de demissão sem justa causa, culpa recíproca ou força maior declarada pelo juiz, extinção da empresa, término do contrato por tempo determinado, aposentadoria, suspensão do trabalho avulso superior a 90 dias, falecimento, doença grave, decisão judicial, a partir de 70 anos de idade, catástrofe, compra de ações da Petrobrás, compra de cotas do Fundo de Investimento do FGTS e do Programa de Aceleração do Crescimento, aquisição da casa própria sob requisitos específicos.
O FGTS é gerido pela Caixa Econômica Federal sob as orientações do Conselho Curador, um colegiado tripartite composto por representantes de entidades dos trabalhadores, dos empregadores e do Governo Federal. Por sua composição sempre que estiver em jogo o interesse dos trabalhadores estaremos em perigo, pois, se os outros dois lados se unirem, os representantes dos trabalhadores serão vencidos e ratificarão decisões, mesmo que em prejuízo dos interesses do total de trabalhadores brasileiros.
Temos que ter muita cautela quando se tratar de questões relativas ao FGTS. Este patrimônio é, na verdade, o dinheiro mais barato que há no mercado. Sua remuneração de 3% ao ano o faz muito atrativo aos interesses vorazes do capital financeiro e dos governos de plantão.
Há pouco tempo o governo federal lançou mão de quantia significativa do nosso FGTS, a fundo perdido, em favor do programa Minha Casa Minha Vida. Isto significa que os valores destinados ao programa social não voltarão a compor o FGTS, foram simplesmente “doados”. Eu, você, nós trabalhadores não tivemos a oportunidade de nos manifestar a favor ou contra a dádiva do governo federal que, por uma canetada unilateral, por meio do Conselho Curador, utilizou nosso dinheiro de acordo com seus interesses.
Não temos que ser contra programas sociais, mas não podemos admitir desfalques no nosso FGTS, sob pena dele se tornar deficitário como ocorre com o INSS. Agora, o governo, por meio de Medida Provisória,quer utilizar o nosso dinheiro do FGTS para lastrear empréstimos de bancos privados e estatais. Isso não me parece justo por uma série de motivos.
Primeiramente, será utilizado um recurso remunerado pelo percentual de 3% ao ano para garantir empréstimos que cobram juros de até 14% ao mês. Não precisa ser economista para identificar que, em pouquíssimo tempo, o recurso remunerado por juros menores se esgotará e restará uma dívida crescente.
Por outro lado, o FGTS, como já dito, foi trocado pela estabilidade no emprego, oferecendo ao patrão a perspectiva de demitir a qualquer tempo, sem justificativa, qualquer trabalhador.
A hora de maior incerteza na vida de um trabalhador é justamente quando ele é demitido e, se por necessidade, tenha usado seu FGTS para contrair empréstimo bancário, não se beneficiará do fim filosófico ou fetiche garantidor proposto em 1966 pela Lei que instituiu o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
Na realidade, a garantia serve apenas para blindar ainda mais o capital especulativo dos bancos, que são os únicos beneficiados e os únicos que obtiveram lucros nestes tempos bicudos que vivemos, além de possibilitar que o capital do FGTS se transforme em capital privado dos bancos.
Essa questão tentarei explicar melhor. O FGTS é remunerado a 3% ao ano. Suas forças vão garantir empréstimos, na melhor das hipóteses, de 3% ao mês. Juros sobre juros, se a divida não for quitada seu valor avançará sobre os recursos do FGTS como um todo, transformando-o, então, em capital privado de quem emprestou.
Seria justo e saudável ao trabalhador outras formas de utilização do seu patrimônio depositado no FGTS, gerido pela Caixa Econômica Federal sob as orientações do Conselho Curador onde nós, trabalhadores, temos assento?
Por falar nisso, quem são os representantes dos trabalhadores neste conselho? Qual a posição deles frente às ações que recaem sobre o patrimônio dos trabalhadores? Qual a forma que os alçou a tão importante órgão? Os nomes dos componentes do Conselho podem ser encontrados facilmente no “oráculo Dr. Google”. Mas isso não basta.
Dentre as opções de saque do FGTS não há uma relativa à saúde financeira do trabalhador. Daí não custa perguntar: se as condições de endividamento de um trabalhador o colocar em situação de penúria econômica, não seria esta a condição de lançar mão de seus próprios meios para saldar suas dívidas? Não seria melhor quitar divida galopante hoje do que esperar a demissão para garantir seu pagamento?
Ora, se o FGTS tem condição econômica e jurídica para lastrear operações financeiras no mercado, tem também condição de oferecer aos seus proprietários condições de remuneração inferiores às oferecidas no mesmo mercado, sem intermediários.
A quem interessa a interposição de um terceiro na relação do FGTS e seus proprietários? Este terceiro seria capaz de abrir mão de seus lucros em prol da coletividade? Não estou falando de perfumaria tipo o banco tal apoia iniciativas sustentáveis... ou a indústria tal cumpre seu papel social mantendo a praça fulano... ou ainda a transnacional “K” é amiga da cultura.
O FGTS pode e deve ser usado no desenvolvimento de nosso País mas, antes, tem que ser remunerado de forma a não perder pelo menos para a inflação. Sua gestão não pode ser difusa e tripartite como é hoje. Seu verdadeiro proprietário tem que ser o protagonista e indicar as formas e meios a serem utilizados em sua administração.
Qual o motivo que nos leva a aceitar que o governo federal seja o principal ator na utilização dos recursos dos trabalhadores? Somos tão débeis que não temos competência para gerir nossos recursos? Como nos é crível aceitar passivamente a participação de entidades patronais no Conselho Curador do FGTS?
O dinheiro é nosso. Eles, os patrões, depositam os 8% e pagam a multa fundiária para terem o poder de nos demitir a qualquer tempo e hora, sem maiores explicações.
Nosso País é gigante e nossos problemas ainda maiores. Nós, trabalhadores, precisamos entender a força que pulsa em nossas veias. Isso porque, se por um lado não detemos os meios de produção, do outro somos nós que movimentamos a roda da produção. Sem nossa força nada gira. Quem movimenta a economia doméstica é o fruto de nosso suor, e nada mais do que justo sermos pagos pelas horas despendidas no trabalho longe de nossas famílias.
Em nossa história sempre fomos explorados. Primeiro, pelos colonizadores. Depois, pelos pós-colonizadores, seguidos pelos governos militares e civis. Essa sucessão de governos quebrou nosso País e nossa previdência social e, agora, pretendem quebrar nosso FGTS.
Hoje os governos de plantão já lançaram mão dos depósitos judiciais como forma de fazer caixa, sem antes pagarem o que devem à sociedade, protelando os improteláveis precatórios.
Para começarmos a equalizar nossas mazelas temos que resolver o problema estrutural do nosso Estado Democrático de Direito. Nosso ente está doente, drena mais de 50% de nossa riqueza produtiva por meio de impostos e não oferece praticamente nada em troca. O paquiderme estatal consome em suas vísceras nossa perspectiva de fundar um país justo.
Faz-se inadiável a reforma administrativa do Estado, limitando seus gastos às questões básicas de custeio inteligente e nas áreas sensíveis, afetas à saúde, educação e segurança. Temos que por fim aos privilégios de poucos em favor da valorização do mérito que valha para todos.
Os brasileiros têm que levantar sua voz e fazer a diferença. Quem financia o Estado em todas as suas matizes - União, estados, municípios, Poder Executivo, Poder legislativo, Poder Judiciário, empresas estatais, empresas paraestatais, empresas de economia mista etc. - somos nós, brasileiros trabalhadores. Não somos convidados a nos fartar no banquete e somos intimados a pagar a conta.
Leonardo Vitor Siqueira Cardoso Vale - diretor Jurídico da UGT/MG e presidente do Sindi-Asseio RMBH